Segundo a tradição antiga, o casamento é o ponto alto na vida de qualquer mulher. Para atingir esse objectivo é necessário ser-se virgem, que vale dizer não ter relações sexuais antes do casamento. Mas, antes dessa fase, os futuros noivos devem manter relação de intimidade muito próxima, equivalendo ao que se designa por fase de “namoro”, o futuro casal não pode manter relações sexuais. Não há um limite de tempo para os noivos se conhecerem. Tudo dependerá da vontade dos mesmos ou dos seus familiares quanto ao momento ideal para se casar.
Fotografia: Daniela Robalo Fonte: Linda Barreto |
Partindo do princípio que é a chegada da formulação do casamento, inicia-se um conjunto de rituais para o grande dia com os mais velhos a dois prepararem os noivos para a vida a dois. Dois dias antes do casamento, os noivos são separados e só podem aproximar-se no dia do casamento. Enquanto decorre a festa, os familiares mais íntimos da noiva (mãe, ou madrinha de casamento) preparam a cama onde vai dormir o casal na primeira noite do casamento. Reza a história que se a noiva não é virgem, ela que tem revelar antes do casamento para que tudo esteja em ordem na noite de lua-de-mel, nomeadamente os truques para manchar o lençol de sangue fingindo assim que ela era virgem. A noiva só pode revelar este segredo a alguém da sua confiança, que neste caso é a mãe ou a madrinha. Na ilha de Santiago, por exemplo, é a madrinha quem prepara os truques para manchar o lençol, pois, a mãe pelos vistos não pode ter o desgosto de casar a filha sem “três vinténs” ou “bedja”. Os “três vinténs” ou simplesmente “três” é o termo que sempre foi utilizado ao longo dos tempos para designar a virgindade.
Na tradição Cabo-verdiana, geralmente a mãe parece ser quase impossível que tenha conhecimento de que a filha não é virgem. Os mais conservadores fazem questão de educar as suas filhas para o casamento que é para todos os efeitos o maior orgulho de uma família. Partindo do princípio de que a rapariga não é virgem, proceder-se-á vários truques para preservar a honra da moça, feitos pela madrinha, e normalmente sem conhecimento da mãe e restantes familiares da noiva. Na noite de lua-de-mel, enquanto decorrem os festejos que podem prolongar-se até ao dia seguinte, os recém casados recolhem-se para o aposento já previamente preparado para os receber.
Independentemente do que aconteceu naquela cama, o facto é que a madrinha já tem tudo preparado para mostrar aos pais do casal no dia seguinte. O truque consiste em manchar o lençol da cama com sangue de cabeça de galinha. Este método, segundo a tradição, é usado com muita frequência porque é o que mais se aproxima do sangue da virgindade. Como é da praxe, logo pela manhã a madrinha entra no quarto do casal levando consigo e de forma escondida o lençol já devidamente manchado. Passados alguns instantes ela sai do quarto com uma trouxa na cabeça dançando e entoando canções tradicionais. Neste momento começa o lançamento de foguetes como sinal de que a rapariga (noiva) era virgem e constitui um “orgulho” para a família. Durante o dia fazem demonstração pública da honestidade da rapariga com a madrinha colocando uma trouxa na cabeça e ladeada pelos recém casados e um pequeno grupo de famílias.
De acordo com a tradição ela deve primeiro, visitar a casa dos ais da esposa para lhes provar que a filha era virgem, exibindo o tal lençol manchado de sangue. De seguida rumam-se á casa dos pais do marido para o mesmo fim. Embora não sendo um costume que se repete em todas a ilhas do país, em Santiago por exemplo, a madrinha só deve exibir a prova da virgindade da rapariga aos pais do casal. Assim, com o cumprimento desta prática terminam as festas os pais e toda a família do jovem casal respiram-se de alívio porque cumpriu a tradição e se preservou a honra e o bom nome da família e da própria comunidade.
No entanto, nem todos podem ter a mesma história e um final feliz como esse casal. Se a noiva não for virgem enganava os próprios pais e o próprio noivo fingindo que é virgem. Para poder se casar teria que ter muita coragem e muita pouca vergonha na cara, isto porque quando se pede a mão de uma moça em casamento parte-se do princípio de que é “imaculada” por isso na comunidade não se questiona se fulana de tal que vai casar-se com beltrano é virgem ou não. O curioso nisto é que os noivos não podem, ou pelo menos não devem, manter relações sexuais antes do casamento. O acto é sagrado e seria pecado a prática sem a devida “autorização” da Igreja Católica, através do casamento, por mera educação religiosa ou simplesmente por preferirem guardar esse grande dia para noite de núpcias. Nessa noite, o casal recolhe para os seus aposentos como habitualmente. A grande expectativa será no dia seguinte, porque os pais e toda a comunidade está ansiosa para receber novidades.
Durante a noite infelizmente o marido acaba por descobrir que a mulher não é virgem. Geralmente, não se pode saber se houve ou não discussão entre os recém-casados durante a noite. A tradição diz que o marido ao tomar conhecimento da ausência da virgindade na mulher interrompe imediatamente o acto sexual que por sua vez deve continuar até ao fim mas fora da cama. A cama deve manter-se bem arrumada e sem sinais de que tenha sido usada durante a noite.
Independentemente da forma como terá decorrido a noite, o importante neste caso é ausência da virgindade da jovem esposa. O marido, por conseguinte, deve levantar-se muito cedo para dar “satisfação” á comunidade. Antes de sair do quarto deve vestir-se a rigor, ou surja a mesma roupa que levou para o casamento. Um pé das calças deve ficar pelos joelhos enquanto o outro permanece de forma normal. A camisa fica fora das calças e desabotoadas e não deve trazer gravata. De seguida, sai á rua ou sobe para o telhado da casa onde vai permanecer por tempo indefinido, pelo menos até que seja visto por todos os habitantes daquela comunidade. Quando isso acontece é sinal que a noiva era “bedja”, tornando o marido motivo de chacota entre a vizinhança. É algo que vai manchar para sempre a vida de qualquer casal.
Hoje não se questiona a importância da virgindade no casamento como antigamente. A tradição ainda existe, principalmente no interior da ilha de Santiago, mas já não possui as características dos tempos dos nossos avôs. A própria legislação Cabo-verdiana nunca previu dissolução do casamento com base na ausência da virgindade.
Que coisa machista e ridícula.
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